quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

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Cartas do Meu Moinho

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Valeu!

Acordo

Ela não o amava mais, pediu-lhe o divórcio na bucha. Talvez nunca o tivesse amado. Ao mesmo tempo, ele caiu de cama, acometido de grave enfermidade. Os médicos não lhe deram muito tempo, era o seu fim. Então, ele suplicou a ela piedade, rogou-lhe que aguardasse para em breve libertar-se, tornando-se viúva. Enquanto isto que cuidasse dele. Na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, conforme o sagrado sacramento. Ela aquiesceu, cuidaria de sua enfermidade até o momento final. O acordo foi feito, então. A idéia do divórcio ficava suspensa em troca do prometido velório. O tempo foi passando, ela cuidava dele e nada de ele partir. Vez por outra, a morte vinha visitar-lhe, mas ele demonstrava-se duro na queda. Ele virou um fantasma de si mesmo de tão enfermo que estava, ao seu lado, a zelosa esposa ansiava por sua viuvez. Ano após ano, ele fazia que ia mas não ia. Ela, resignada, apenas aguardava e servia de sua enfermeira. Ela cumpria o prometido embora não o amasse mais. E ele não cumpria a sua parte do acordo.

04.02.10

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

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Valeu!

Traça de livros

Gostava de ler. Lia demais, até. Na estante, mal cabiam os tantos livros, não havia espaço para bibelôs. A leitura preenchia-lhe o grande vazio. Tinha hábito de ir à praia tendo consigo um livro como companhia. Da bolsa de palha saía a toalha para ser estendida sobre a areia morna embaixo do guarda-sol vistoso e, depois, o livro. Em seguida, mergulhava em seu livro enjeitando o mundo ao seu redor. Os homens passavam admirando-lhe a beleza, mas se intimidavam com sua leitura acirrada, num dia belo de sol. Os poucos corajosos que ousavam interrompê-la eram recebidos com um olhar que congelava até um raio de sol. Enfiada de cara no livro parecia nunca estar afim de jogar conversa fora. Seja como for, ela podia ser muito boa em leituras, mas não entendia nada de relacionamento humano.

27.01.10

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Louca

Ela se achava louca. Mas de louca, não tinha absolutamente nada. Havia para tanto uma explicação: isto é o que em casa lhe diziam: você é maluca, sua louca. E foi assim que a pobre quase perdeu a razão. As palavras domésticas são as mais poderosas, capazes de tornar em gênio um idiota, ou quebrar a alma de um inocente. Ela era uma tristeza só, naquele ambiente insano. Não havia mulher mais doce e querendo acertar nas coisas do mundo do que ela. O sorriso era fácil como o de uma criança, por trás do olhar triste e angustiado. Uma mulher apagada. Um dia, ela se cansou daquilo tudo, muniu-se coragem, arrumou as trouxas e tomou um chá de sumiço. Sumiu como por encanto. Em casa, na falta de quem se tornasse o maluco da vez, passaram a culpar uns aos outros pela falta que fazia aquela louca. Longe daquela gente, ela descobriu a maravilha da vida ao reencontrar a sua sanidade. Nunca mais ouviu-se falar dela.

26.12.09

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Fruta fora da estação, ou de como ela finalmente virou mulher grande.

Era aquele mulherão. Não havia este homem que não a desejasse. Só havia um porem que os acabrunhava. Sua cabecinha funcionava como a de uma menininha mimada. Era boba demais para aquela sua idade. Ainda estava muito verde. Nunca vi nada igual, mas não era retardada, não. Só era imatura demais para aquele corpão de mulher grande. Parecia uma fruta fora da estação. Um dia, ela teve uma inspiração. Ficou imóvel, observando a árvore no quintal de sua casa. Olhava, e olhava sem dizer palavra. Parecia estar num transe. Não demorou muito, trepou num galho e ficou de cabeça para baixo prendendo-se pelas pernas dobradas. Eram formidáveis aquelas pernas. A boca sempre calada. Ficou assim até a exaustão, quando soltou-se finalmente e espatifou-se no chão. Amadureceu.

09.12.09

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

As atarantadas.

Eram amigas unidas feito carne e unha. Quase irmãs. Dividiram até o berço algumas vezes. Falavam animadas pelos cotovelos quando se encontravam, e como tinham o que falar, embora fosse sempre o mesmo assunto. Na infância, eram criancices. Na adolescência, eram bobagens. Na faculdade, eram futilidades. Quando adultas, era pura sacanagem. Ao envelhecerem, lembravam dos velhos tempos. Falavam sempre ao mesmo tempo balançando os braços como duas afogadas no meio do oceano de palavras até cansar, embora dificilmente uma prestasse atenção no que a outra dizia. Mas eram grandes amigas, antes de tudo e isto é o que importava. Quando uma delas morreu de morte natural, a outra ficou muda.

25.11.09