sábado, 31 de janeiro de 2009

Porcelana de família.

As canecas foram presente da sogra. Uma para ele e a outra para ela. Horríveis, pesadas e extravagantes. Ensaiaram um sorriso que saiu amarelo. Agradeceram muito. Ao final do dia, a sogra saiu por uma porta e as canecas por outra, direto para a garagem. Esquecidas. Talvez evaporassem um dia. O bizarro presente rendeu risadas, como eram feias as tais canecas. A sogra voltou e também as canecas. Passearam de bandeja até a sala de visitas. Beberam chá nelas. Nada mal. Levemente pesadas. Mantinha o chá quente mais tempo. O colorido berrante até estava na moda, segundo a revista. Não eram tão ruins assim. Pelo menos o chá ficara quente mais tempo. A sogra foi embora e as canecas foram paro o armário da cozinha. A cristaleira era para os cristais e porcelanas finas. O frio veio de fininho. O frio era foda. A ele, nem chá ou café ou chocolate quente resistiam. Ah! Aquelas canecas. Bem lembrado! Os dois monstrinhos mantinham tudo quentinho. Um milagre. Do que seriam feitos? Todos os dias iam do armário para a mesa e depois voltavam. Um aviso foi dado à empregada. Muito cuidado com minhas canecas, tenho muito ciúmes delas. Depois de lavá-las com dobrado zelo, iam para a cristaleira graças à empregada.

27.01.09


sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Coisa de criança.

Era sempre a mesma estória. Depois da porrada oral, ignorava-o semanas. Ela apreciava um bate-boca. Nutriam-se disso. Funcionava assim, ele telefonava, ela não atendia. Birra. Coisa de criança. Dava certo. Ele sempre acabava rastejando. Ela se sentia orgulhosa. Poderosa. Fazia o mesmo com o 'papai sabe tudo' desde menina. Aprendera manipulá-lo antes de experimentar em seus homens. Faziam as pazes, rolava muito pé de cama. A mesa e o chuveiro também serviam. Era a vez de ele ir à forra, era o prazer dela a submissão. Com o pai não rolava nada daquilo. Uma pena, era pecado. Pai e filha eram tão iguais que brigavam como se amavam. Na adolescência, fugia de casa. Continuou fugindo adulta, mesmo que a porta sempre estivesse aberta. Era sempre a mesma menininha, recusara-se a crescer. Falava como menininha. Tinha jeitinho de menininha, dentro de um mulherão. Um dia teve um puta de um susto. Com ele brincara de papai e filhinha malcriada depois do bate-boca. No final, ganhou uma bonequinha. Mas teve de esperar nove meses para tira-la da caixa.

26.01.09

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Futuro a domicílio.

Acordou mal humorada. A boca azeda de esperma. Uma suave brisa entrava pela fina cortina da janela deixada aberta. Levantou-se. Esticou-se e foi no banheiro. Roupas pelo chão. Pontas de cigarro. Resíduos da noitada. Doía-lhe a buceta. Aquele puto. Sentia-se imunda. Jogou uma água no corpo. O sabonete novo foi esfregado até sumir. Não pensou na noite passada. Não quis isso. Recriminava-se. Tinha contas a pagar, lembrou. Devia a um, devia a outro. Quando isto vai acabar? A mão de xampu cheia fez abundante espuma no cabelo crespo. Gostava disso, dava-lhe prazer. Queria ser leve como a espuma. Flutuar. A água fria corria solta. Quis descer também pelo ralo e sumir de vez. Virou a torneira até estancar a água. Agora o dia já podia começar pra ser feliz. Enrolou-se na velha e macia toalha. Quando tomaria vergonha para comprar uma nova? Um café ia bem. No caminho da cozinha viu a grana jogada na mesa. Contou. O sangue subiu, só tinha a metade. Aquele desgraçado! Merda de vida. Vestiu-se rápido, foi encontrar o cliente das onze. Todo dia era a mesma coisa por troca de migalhas. Devia arranjar um emprego de verdade, um desses de carteira assinada com plano dentário, como todo mundo. A ruiva era cartomante a domicílio e já estava atrasada para prever o futuro.

23.01.09